Inglaterra, 1989. A música pop da ilha estava passando por um período de transformação. Bem menos acentuado que o punk, por não ter tentáculos em outras esferas além da musical, mas sabia-se que ao menos o gosto musical dos habitantes da Inglaterra não seria mais o mesmo. Os Smiths tinham acabado, o Echo & the Bunnymen perdeu Ian McCulloch pra carreira-solo e Pete DeFreitas para a eternidade, o New Order fazia intervalos cada vez mais longos entre um disco e outro, e a estrela negra do indie-dance subia. Ian Brown e seu Stone Roses levavam os amantes da boa música à loucura; era a década de 90 começando antes, como um jornalista definiu.
Muitas bandas que conquistariam grandes êxitos nos anos 90 começaram nessa época. Ride (formado em 87), Blur (de 89), Charlatans (88). Todas seguindo a cartilha dos Stone Roses. Mas uma delas, além de beber na fonte dos macaquinhos de Manchester, carregava suas letras e instrumental de androginia, cinismo, sarcasmo e ambigüidade, com traços do glitter rock de David Bowie e das letras mais cáusticas do mestre Morrissey. Também tinha um nome curto: Suede.
O Suede surgiu da inquietação de dois moleques que, apesar de não terem lá uma grande amizade, viram que poderiam criar pequenas obras-primas juntos: Brett Anderson e Bernard Butler. Anderson escrevia letras com interpretações dúbias, e Butler tinha um estilo de tocar guitarra rasgante, com ecos de John Squire e Tom Verlaine. Pegaram o nome Suede de um single de Morrissey, "Suedehead", e decidiram por apenas "suede" porque a palavra "suede" (camurça) era uma gíria londrina para "ambíguo". Nada mais perfeito.
Era hora de procurar outros membros pra banda, e não demorou para acharem alguém pra assumir a vaga do contrabaixo: Justine Frischmann, amiga de Brett, juntou-se à banda tocando o instrumento, mas logo depois encontraram Mat Osman. Justine então foi deslocada para a segunda guitarra. Pra bateria, chamaram Mike Joyce, o baterista dos lendários Smiths, recém-demitido da banda de apoio de Morrissey.
Com essa formação gravaram uma canção para uma coletânea em cassete com várias bandas pequenas de Londres, Wonderful sometimes. Os fãs de Suede hoje disputam essa fita a tapa no mercado de raridades britânico. Em seguinda, Justine deixou a banda e começou a namorar Damon Albarn, vocalista do Seymour, que depois viraria Blur. É dessa época a rixa entre Damon e Brett, que sentia uma certa queda pela garota. O Suede então decidiu que apenas Butler seria responsável pelas guitarras, e gravou um single de 12 polegadas com as músicas Art, Be my god e novamente Wonderful sometimes, mas o single nunca saiu. Algumas cópias chegaram a ser prensadas, e hoje valem uma grana violenta. Mike Joyce então saiu da banda, sendo substituído pelo baterista que permanece até hoje, Simon Gilbert.
Mesmo com o single abortado, a banda atraiu a atenção de Morrissey, que incluiu em vários de seus shows na turnê do disco "Kill uncle", entre 91 e 92, a canção My insatiable one, de autoria de Anderson e Butler. Com uma projeção maior, o Suede assinou contrato com o pequeno selo Nude, e um contrato de distribuição com a Sony Music.
Em 1992, finalmente saía o primeiro single: The drowners, onde My insatiable one aparece no lado B. Um sucesso razoável, e mais um single saiu no ano: Metal mickey, com guitarras rasgantes e as já tradicionais letras andróginas de Anderson. Em abril de 93 saía o primeiro disco, Suede. Com 11 faixas, o disco foi o trabalho de estréia mais vendido de todos os tempos até 1999, quando o primeiro trabalho do Muse tomou seu posto. Rendeu ainda mais dois singles:
Animal nitrate e So young, que atingiria a oitava posição nas paradas inglesas, assim sendo o primeiro top 10 do Suede.
Só que nem tudo era flores para o Suede. Pra começar, a poucos dias do lançamento norte-americano do primeiro disco, uma cantora americana que usava esse nome conseguiu uma liminar proibindo a banda de utilizar o nome Suede em território americano. A solução foi virar The London Suede para os ianques. Por isso, todos os lançamentos de discos nos EUA trazem o nome The London Suede. E, pra piorar, a relação entre Brett Anderson e Bernard Butler estava cada vez mais difícil, com um se queixando do outro querer roubar a cena. E ficava difícil esconder isso. Em julho de 1994, a banda entrou em estúdio para gravar seu segundo LP. Depois de um mês de gravações, Butler pediu as contas e se desligou da banda.
Como Butler não havia gravado as guitarras para todas as músicas, algo deveria ser feito quanto a isso. A banda optou por arranjos mais sofisticados, algumas das faixas foram orquestradas e Brett arriscou uma guitarrinha (embora todos os créditos de guitarras do disco tenham ido para Butler, é Brett quem toca em The power). Mas Butler saiu deixando gravadas guitarras lindas, como as de Heroine, New generation e especialmente a de We are the pigs.
Dog man star foi lançado em outubro e, mesmo não repetindo o desempenho de vendas do primeiro álbum no Reino Unido, vendeu bastante e teve boa recepção da crítica, que cansou de tratá-lo como "épico". Mas o Suede não poderia seguir como um trio. Assim começaram os testes para recrutar um novo guitarrista. Centenas de candidatos apareceram e todos não satisfaziam Anderson, Gilbert e Osman, até que um garoto de 17 anos surgisse no estúdio e os encantasse com seu jeito de tocar.
Richard Oakes sabia todas as músicas da banda e era quase dez anos mais novo que os três membros restantes. Foi admitido na hora, e lá foram os quatro para a turnê de Dog man star, que foi registrada no vídeo Introducing the band. Ironicamente, as primeiras composições da banda com Oakes foram os lados b do single de New generation.
Uma grande expectativa cercava as gravações do terceiro disco do Suede, em 1996. Como seriam as músicas com Oakes? Perderiam para os riffs rasgantes de Butler? A verdade é que Oakes tinha um estilo diferente, com mais uso de distorção e efeitos, e muitos fãs antigos ficaram ainda mais desconfiados quando a banda anunciou que gravaria o disco todo com o tecladista convidado Neil Codling. No final das sessões de gravação, Codling foi efetivado na banda, que virava um quinteto, e então surgiu Coming Up, a obra-prima injustiçada do Suede.
Nas dez faixas do álbum, o Suede faz um grande disco pop, elegante como só a banda poderia fazer (e talvez o Pulp), e sem trazer nenhuma ligação entre as músicas. Trash trazia mais daquele frescor juvenil hedonista, By the sea tinha uma letra menos egocêntrica, além da batalha entre o conjunto piano/baixo/bateria e a guitarra. Beautiful ones é dançante até a medula, e assim o disco se mantinha perfeito até o final com Saturday night (não sem antes passar por Picnic by the motorway, grande canção).
Foi o disco de maior vendagem nos EUA, mas boa parte dos fãs puritanos torceu o nariz para "Coming Up". Diziam que a banda havia acabado com a saída de Bernard Butler. Alheios aos comentários, os cinco rapazes do Suede encararam uma grande turnê que se estendeu até outubro de 97, quando ainda lançaram uma compilação dupla com 27 lados B de seus singles, intitulada Sci-fi lullabies. A capa desse álbum é, na modesta opinião do signatário dessa matéria, a capa mais linda de um disco em todos os tempos. O conteúdo não deixa a desejar também: desde o primeiro lado b, My insatiable one, até coisas recém-saídas à época, e as lindas My dark star, These are sad songs, Duchess, The big time e Europe is our playground.
Durante todo o ano de 1998 o Suede gravou apenas uma música: Poor little rich girl, de Nöel Coward, para um disco-tributo ao autor, chamado Twentieth century blues. Em toda a carreira, foram poucas as covers registradas oficialmente pela banda: para uma coletânea intitulada Help!, gravaram Shipbuilding, de Elvis Costello; e para o single de Lazy, foi escolhida uma gravação ao vivo de Rent, dos Pet Shop Boys, com Neil Tennant participando da música.
Mas os fãs queriam material inédito. Brett Anderson disse, em 1996, que em um ano o sucessor de Coming Up ganharia as ruas. Mas só em fevereiro de 1999 foi que Head Music viu a luz do sol. Os fãs de começo de carreira da banda que restaram depois de "Coming Up" foram quase todos embora com este disco, que teve suas letras criticadas como "simples demais", além de terem sido percebidos sinais de cansaço e estranheza na parte musical. Mas é um grande disco, com faixas subestimadíssimas como Everything will flow, Indian strings e Asbestos. Ruim de verdade, só a faixa-título.
E agora, ainda em 2001, a banda promete um novo disco. Mas há uma notícia importante: no dia 23 de março, o tecladista Neil Codling anunciou sua saída da banda, alegando motivos de stress, a mesma razão pela qual se ausentou de alguns shows da turnê de "Head music" e do show solitário que a banda fez em outubro de 2000, pelo festival Iceland airwaves, na Islândia, onde tocaram nove músicas inéditas. Alex Lee, que tocou com a banda nas ocasiões em que Neil não esteve presente, foi anunciado como seu substituto.
Nesse momento, a banda está em estúdio com o produtor Tony Hoffer, que trabalhou em "Mutations" e "Midnite Vultures", de Beck, e deve finalizar o disco até abril. Uma das novas canções, com o título Simon, fará parte da trilha sonora do filme Far from China, a ser lançado no festival de Cannes, e provavelmente não estará no novo disco.
Uma ótima estréia. Coloque o disco desde o começo e sinta bem as cinco primeiras músicas: a luxúria de So young, a citação ao lança-perfume de Animal nitrate, o lamento córneo de She's not dead, a power ballad Moving e o grande momento do disco, a belíssima Pantomime horse. Afora isso, a correta The drowners e duas grandes outras canções: Sleeping pills é uma balada onde as guitarras cortantes de Bernard Butler fazem cama para Brett Anderson pedir pra seu anjo que não tome "essas pílulas do sono", e Metal mickey, que, ao lado da supra-citada Animal nitrate, já me fez tocar muita guitarra aérea no meu quarto. De zero a dez, nota nove.
O canto do cisne de Butler é um disco um pouco irregular, mas dos bons. A bateria tribal de Introducing the band rola a bola para a fantástica We are the pigs, com dois shows: o mestrado vocal de Anderson e o doutorado guitarrístico de Butler. The wild ones, o hit do disco, chegou até a estar no Top 10 da MTV brasileira em janeiro de 95, com um lindo clipe e versos como "'cause on you my tattoo will be bleeding, and the name will stain". Juntam-se a elas as belas Daddy's speeding, The power e a chorosa The 2 of us, além da orquestração apocalíptica de Still life. O ponto baixo fica por conta da horrível This hollywood life. De zero a dez, toma oito.
Como toda coletânea de b-sides, irregular. E ainda é dupla. Mas tem My insatiable one, W.S.D. e Europe is our playground, que deveria ter entrado em "Coming Up", pra que o disco ficasse ainda mais perfeito. A capa desse cd é maravilhosa, você devia passar cinco minutos da sua vida olhando pra ela. É bem verdade que o que realmente importa é a música, mas a capa é um outro atrativo. Se você não tem sensibilidade suficiente para apreciar aquela capa, vá ler o lo-fi zine. Ou ouvir guns and roses. De zero a dez, ia tomar sete, mas por causa da capa, oito e pronto.
Estranho, bem estranho esse disco. Mas não dá pra falar mal, tem grandes músicas. Down e She's in fashion, duas puramente inspiradas nas aventuras glitter de David Bowie, não me deixam mentir. E ainda tem a linda balada Everything will flow, com cordas orientais (que também aparecem em Indian strings, a outra grande balada do álbum). O primeiro single, Electricity, também vale uma ouvida, bem como a tristíssima He's gone e Elephant man, escrita inteiramente pelo tecladista Neil Codling e motivo de risos pros fãs antigos, que injustamente chamam este disco de "Bad music". De zero a dez, a mesma nota que a Bizz deu: nove, sem exageros.
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